"Olha, perdoe esse meu cansaço, esse meu suor. Corri tanto,
tanto... Desfaleci. Hoje o desafeto demorou um pouco mais na cozinha. Cortei os
legumes com tanta pressa que quase aprontei com os dedos (com os medos, quem me
dera). Fiquei aflita com esse texto se aninhando em minha mente enquanto eu
estava lá absorta, com um suspiro preocupado que nunca soube repousar. Hoje sou
só algumas mãos arredias cuidando dos tomates, esmiuçando os pensamentos.
Hoje pra mim ainda é ontem. O amanhã cansou de chegar. Estou levemente
desamparada, esvoaçada, ouvindo a mesma música. (O mar dessa canção me
(co)move, me sensibiliza). Mas estou incomodada ainda, observando. Arrumei a
casa de um jeito tão negligente que suspeito estar assim por dentro: do avesso.
Poeira maior deixo sobre a mesa — de centro. Centro do meu mundo, do meu tudo,
ventre desarrumado. Ainda não pude desincrustar a alma com alguma alegria. Logo
cedo recebi visitas, preciso esperar a hora dos choros. A dor precisa de espaço
para se repetir e morar, e logo depois sair imune, dissolvida. Por um momento
sinto-me bem. Poesia salva, sabia? Uma salvação repentina que me diminui pra
ficar maior... Quase não consigo contê-la nesse trecho. Pretendo esperar o
próximo parágrafo enquanto dou um jeito nesta cama. Quase agora um Amor antigo
questionou o meu silêncio e adicionou, cheio de medo: “Entendo, tem dias que a
gente não está pra ninguém, não é?”, fiquei um pouco mais triste por envolvê-lo
nesse meu cansaço (tão antigo, tão pequeno) e respondi, cheia de dedos: “Se
quiser, você pode não estar pra mim hoje também. Vou gostar de você do mesmo
jeito, talvez, de um jeito um pouco maior”. E ele me enviou um sorriso tão
teimoso, desentendido e bonito que eu desisti — Meu Deus, eu desisti!! — da
amargura do meu próximo desalento. Poesia salva, sabia? Poesia salva..."